O ADVOGADO CRIMINALISTA E PROFESSOR DA USP, MIGUEL REALE JÚNIOR: “O DEFENSOR PÚBLICO TEM UMA DIFERENÇA PARA O ADVOGADO CONVENIADO QUE É A VOCAÇÃO”

O advogado criminalista Miguel Reale Júnior concluiu o doutorado em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) em 1971. Professor titular do Largo São Francisco desde 1987, foi Chefe do Departamento de Direito Penal de 2002 a 2006. Reale também foi ex-Ministro da Justiça no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso e é filho do também renomado jurista Miguel Reale. De seu escritório, em São Paulo, ele concedeu a seguinte entrevista ao site da APADEP:

APADEP: Qual o papel, na avaliação do senhor, que os defensores públicos vêm exercendo atualmente no Brasil?

Miguel Reale Júnior: Os defensores públicos são fundamentais para o acesso da população pobre à Justiça. Não é apenas uma tarefa de assistência judiciária, mas também de assistência jurídica. Até mesmo de assistência preventiva. Por isso o papel do defensor público é extremamente importante na orientação e depois na promoção e ação de defesas nas mais diversas áreas e naturezas para a população pobre. Mas o que se vê é uma grande desigualdade na organização das Defensorias Públicas de Estado para Estado. No nosso próprio Estado de São Paulo só recentemente teve instituída a Defensoria e parece-me que hoje conta só com 400 defensores públicos. Que é um número reduzido perto do que é necessário para o cumprimento da sua missão. Os defensores públicos têm organização mais complexa no Estado do Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul, mas eu creio que falta muito ainda para que ela venha a se instituir nacionalmente para cumprir a sua missão Constitucional.

APADEP: Entrando no âmbito penal, no Estado de São Paulo são aproximadamente 2300 juízes, 1700 promotores e apenas 400 defensores. Quais as conseqüências dessa disparidade para o Estado?

Reale: O defensor público é alguém voltado para a defesa e para a orientação de uma população que não tem acesso ao Judiciário e a advogado. Portanto, no Estado de São Paulo já houve uma grande demora na criação da Defensoria Pública e essa defasagem do número de defensores com o de promotores é sensível, muito grande. Por isso houve a necessidade do convênio com a Ordem dos Advogados, mas o defensor público tem uma diferença para o advogado conveniado que é a vocação. Ele é um vocacionado, é alguém que optou por fazer da defesa dos interesses das populações vulneráveis a sua profissão. Por isso que é fundamental que se fortaleça a Defensoria no Estado de São Paulo e em outros Estados. 

APADEP: Em todo o Estado são apenas 35 defensores públicos atuando dentro nos presídios. São Paulo possui um terço dos presos do país. Há relação dessa defasagem na Defensoria com a lotação dos presídios?

Reale: Esse também é um problema muito sério porque não existem advogados conveniados para a promoção de direitos, de medidas dos incidentes da execução, pedidos de contagem de tempo, livramento condicional, redução da pena pelo trabalho ou penas alternativas. Há, ainda, uma defasagem de defensores públicos que possam atender os Centros de Integração da Cidadania. Seria fundamental que houvesse um defensor publico permanentemente nestes centros. Então, tudo isso leva a um clima de insegurança. A assistência jurídica ao preso é um gênero de primeira necessidade dentro dos presídios. É um instrumento de disciplina, de calma dentro do mundo natural da prisão. Portanto, seria fundamental que houvesse um maior número de defensores públicos prestando assistência judiciária nos presídios e cadeias.

APADEP: De uma forma geral, portanto, como o senhor avalia a defesa feita hoje do réu pobre?

Reale: Na verdade, há uma dedicação, um heroísmo por parte dos defensores públicos. E se há muitos advogados conveniados dedicados e que prestam serviços valiosos, no entanto eles não estão inteiramente disponíveis e não são totalmente vocacionados para esse trabalho. Isso leva a conclusão da necessidade do fortalecimento da Defensoria Pública como instrumento de paz social. A harmonia se faz com a viabilização da orientação jurídica e do acesso das populações vulneráveis, não só dos pobres, à Justiça.

APADEP: Essa relação entre aumentar o número de defensores e a diminuição da lotação dos presídios está correta, portanto?

Reale: Sim. Diminuiria na medida em que há muitos presos que já tem a pena cumprida, que têm direitos de passagem para um regime menos rigoroso. Os defensores públicos poderiam prestar assistência em caso de defesa administrativa, de faltas graves…ou seja, eu diria que não só ocasionaria diminuição do problema da população prisional, mas também teríamos uma garantia de disciplina e de paz dentro dos presídios. Uma das maiores causas de motins e de rebeliões nos presídios é a ausência de assistência jurídica.

APADEP: E qual a opinião do senhor sobre a paridade entre as carreiras jurídicas? Há um anteprojeto de lei que tramita no Executivo prevendo a correção dessa distorção e o Secretário de Justiça de SP chamou de absurda tal reparação. Como o senhor avalia essa questão?

Reale: Não existe nada que justifique essa diferenciação que se estabelece no plano da remuneração, no plano na igualdade entre aquelas que se constituem como peças essenciais da administração da Justiça. O defensor público é, como todo advogado que se acresce exatamente essa tarefa pública, um elemento essencial para a administração da Justiça, como a própria Constituição Federal determina. Pode haver sim dificuldades orçamentárias, mas creio que não existe, em sua substância, no seu mérito, nenhuma divergência que se possa estabelecer entre um defensor e um promotor. A verdade é que deve haver uma igualdade de tratamento.

APADEP: Há outro anteprojeto de lei tramitando no Executivo que prevê a criação de 100 cargos por ano, nos próximos quatro anos. O senhor acha razoável estes números?

Reale: Acho que sim. Já é até insuficiente para a demanda, para aquilo que é necessário. Devia o quanto antes esse projeto de lei ser aprovado porque os concursos não são realizados de uma hora para outra. Tem todo um procedimento que leva tempo. É fundamental que esse projeto de lei seja aprovado o quanto antes.

APADEP: Em um editorial na época da não renovação do convênio com a Defensoria, por parte da OAB, o “Estadão” emitiu opinião de que a Ordem estava agindo como entidade sindical, não primando pelo interesse público, já que estava defendendo os advogados recém saídos das inúmeras faculdades de Direito…

Reale: Atualmente, você tem um número muito grande de reprovação nos exames de ordem, mas isso não impede o crescimento vertiginoso do número de advogados. Passa-se por um momento difícil na advocacia, que é a proletarização da classe. Isso tem feito com que algumas comarcas, por exemplo, estejam com um percentual de 90% dos advogados inscritos na subseção que se mantém graças aos convênios. Então, isso também é uma deformação. Que paulatinamente tem de ser superada. Porque o convênio é o extraordinário, a exceção. O normal seria termos uma Defensoria Pública com reais condições de prestar assistência judiciária e jurídica.

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