Nota pública do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública a respeito da conduta policial durante manifestações

O NÚCLEO ESPECIALIZADO DE CIDADANIA E DIREITOS HUMANOS DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, instituído pelo artigo 52, inciso 2, da Lei Complementar Estadual nº 988, de 9 de janeiro de 2006,

CONSIDERANDO que, nos termos do artigo 134 da Constituição Federal, incumbe à Defensoria Pública, como expressão e instrumento do regime democrático, a promoção dos direitos humanos e a defesa judicial e extrajudicial dos direitos individuais e coletivos;

TENDO EM CONTA que este Núcleo Especializado vem acompanhando a temática do direito de manifestação e a ação da polícia desde fevereiro/2011, tendo diversas vezes tentado contato mais efetivo com a Secretaria de Segurança Pública a fim de discutir a situação com vistas à adoção de padrões recomendados internacionalmente, inclusive com o envio de ofícios e expedição de Recomendações, na forma prevista em lei; O insucesso do diálogo institucional pelas vias administrativas levou o Núcleo ajuizar Ação Civil Pública em 2014, na qual busca a adequação das práticas policiais aos referidos parâmetros, a fim de que se evite o confronto, com a preservação do direito de manifestação e a salvaguarda dos direitos de todos os envolvidos (Processo nº 1016019-17.2014.8.26.0053 em trâmite perante a 10ª Vara da Fazenda Pública da Capital – SP);

RESSALTANDO que as liberdades de expressão do pensamento e de reunião pacífica, estabelecidos constitucionalmente e nos tratados internacionais de direitos humanos celebrados pelo Brasil, são fundamentais para a plena vigência do regime democrático, na medida em que a democracia pressupõe a existência e a divulgação de opiniões divergentes, como base para o pluralismo político;

RECONHECENDO que tais direitos, mesmo que não absolutos, somente podem ser restringidos com estrita observância do Estado de Direito e nos exatos limites de sua necessidade e intensidade, de modo a não prejudicar o exercício legítimo do direito de manifestação por quem o estiver fazendo pacificamente, bem como para não constituir fator de receio ou ameaça para que outras pessoas, se assim o desejarem, exerçam as referidas liberdades publicamente;

TOMANDO CIÊNCIA das notícias relativas à conduta policial nas manifestações públicas ocorridas na capital paulista nos últimos dias, as quais dão conta do vasto emprego de bombas de efeito moral e de gás lacrimogêneo, assim como de disparos com munição de elastômero (balas de borracha) contra manifestantes, provocando pânico generalizado inclusive em pessoas que nada tinham a ver com o ato político, ou que dele participavam pacificamente, ou mesmo em profissionais da imprensa que desempenhavam a missão de noticiar os fatos à opinião pública;

OBSERVANDO, COM GRANDE PREOCUPAÇÃO, que quatro fotógrafos foram detidos pela polícia no curso da manifestação do dia 31 de agosto de 2016 e, segundo consta, tiveram seus equipamentos destruídos, e que, no mesmo ato, uma jovem teve seu olho esquerdo perfurado, com perda total da visão, possivelmente como consequência do emprego pela polícia dos armamentos acima referidos;

CONSIDERANDO que o recrudescimento do ambiente de tensão pode contribuir para a irrupção de condutas violentas, colocando em risco os direitos humanos de todos, inclusive de policiais escalados para as respectivas operações, como já ocorrido, o que de forma alguma contribui para o fortalecimento da democracia em nosso país; e

RESSALTANDO que o direito de manifestação, dada sua natureza pública e democrática, pode interferir no exercício pleno da liberdade de locomoção e de outros direitos fundamentais, devendo ser buscada a máxima compatibilização entre todos, notadamente pelas forças do Estado, eis que dotadas do poder jurídico e material para lidar adequadamente com a situação;

VEM A PÚBLICO:

1. INSTAR os órgãos responsáveis pela segurança pública a adotarem as medidas cabíveis para que o uso da força seja feito de forma progressiva e moderada, observando-se os princípios da necessidade e proporcionalidade, de modo a garantir o direito de manifestação pacífica, como fundamento de uma sociedade democrática, e a preservação dos direitos humanos de todos;

2. REITERAR os termos contidos em ofícios dirigidos à Secretaria de Segurança Pública, no sentido de que seja:

A.    Enfatizado pelas autoridades pública que a. atuação de forças policiais em manifestações deve obedecer estritamente as normas nacionais e internacionais de referência, especialmente, o artigo 5º, XVI, da Constituição Federal, artigos XIX e XX da Declaração Universal dos Direitos Humanos, artigo 19 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e artigo 16 da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos

B.    Produzido ato normativo definindo parâmetros de atuação da Polícia Militar do Estado de São Paulo em policiamento de manifestações públicas, a ser elaborado após a interlocução com a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Ministério Público do Estado de São Paulo, Organizações Não Governamentais com atuação em direitos humanos e demais interessados, cogitando-se a realização de uma audiência pública para que se chegue a um texto consentâneo com as diretrizes aqui expostas, dando-se ampla publicidade;

C.     Fornecida capacitação técnica aos policiais militares que atuam em policiamento de manifestações públicas, para o fim de prepará-los para tais situações de modo que possam agir para o fim de garantir a realização da manifestação, preferencialmente com a participação das entidades acima mencionadas, como consultoras e observadoras;

D.   Determinada a imediata proibição uso de arma de fogo, inclusive com munição de elastômero, por policiais atuando no acompanhamento de manifestações lícitas e pacíficas e, ainda, que o uso de gás lacrimogêneo, bombas de efeito moral, spray de pimenta e correlatos só poderá ser determinado pelo comandante da operação, devendo ser adotado um protocolo claro e específico para seu uso;

E.    Determinado que todos os policiais devam estar devidamente identificados, de forma visível à distância;

F.    Determinado que em manifestações de grande afluxo de pessoas o Secretário de Segurança Pública indique um representante, que deverá ser responsável pela coordenação e supervisão do operativo policial, sendo fundamental que esteja em permanente diálogo com os coordenadores da manifestação para atuar como negociador;

G.   Determinado à Polícia Militar que a decisão de dispersar a manifestação somente poderá ser tomada quando não houver outros meios para proteger a ordem pública – em cujo conceito se inclui o direito de livre manifestação – de um risco iminente de violência generalizada; que o ato administrativo de dispersão de manifestação, adotado pelo Oficial da Polícia Militar responsável pela operação de policiamento, seja comunicado aos manifestantes por meio que permita a compreensão imediata da ordem, conferindo-se tempo razoável para sua observância; bem como que este ato administrativo sejapublicado, no prazo de 5 (cinco) dias, no Diário Oficial do Estado, respeitado o dever de fundamentação;

H.    Imediatamente vedado o policiamento das manifestações pacíficas pela Tropa de Choque, a qual não poderá ficar postada ostensivamente e às vistas dos manifestantes, só podendo atuar após a decisão administrativa indicada no item f supra; e

I.     Determinado à Polícia Militar que não vede nem impeça qualquer cidadão de captar imagem e som de seus agentes em atuação, sob pena de apuração de responsabilidade na esfera administrativa e criminal.

J.     Estritamente respeitado e garantido o direito de profissionais de imprensa trabalharem livremente e sem sofrerem ameaças, detenções, apreensão de aparelhos de trabalho, seguida ou não de sua inutilização, tomando-se todas as medidas para que as forças policiais atuem da forma preconizada.

4. AGUARDAR que a Polícia e ao Ministério Público atuem no sentido da apuração dos fatos havidos nas recentes manifestações nesta Capital, tendo em vista a devida responsabilização de agentes públicos pelo uso imoderado e desproporcional da força, com a violação de direitos humanos de manifestantes e de profissionais de imprensa, assim como em relação a pessoas que tenham violado o seu dever de manifestar-se de forma pacífica, garantindo-se a todos o direito de defesa e o devido processo penal ou administrativo.

5. URGIR ao Governo do Estado que preste todo o auxílio às pessoas violadas em sua integridade física ou psíquica em decorrência dos confrontos havidos no curso das manifestações antes referidas, quer sejam manifestantes, terceiros ou integrantes da força policial, com o emprego dos serviços públicos apropriados, bem como de mecanismos de reparação administrativa sempre que necessário.

6. ALERTAR a todos para o fato de que a liberdade de expressão do pensamento e o direito de manifestação devem ser exercidos dentro do marco legal dos direitos humanos, de maneira pacífica e com o respeito aos direitos e liberdades de terceiros, para o fortalecimento da democracia em nosso país.

São Paulo, 2 de setembro de 2016.

 

FONTE: DPE/SP

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