ENTREVISTA: MARIA SUELI BERLANGA, FUNDADORA DA EQUIPE DE ARTICULAÇÃO E ASSESSORIA ÀS COMUNIDADES NEGRAS DO VALE DO RIBEIRA

A região do Vale do Ribeira é a que mais agrega comunidades quilombolas em São Paulo. Mais de 60% da região é coberta por vegetação florestal, concentrando-se ali a maior área dos parques e reservas estaduais. A situação fundiária é conflituosa, especialmente nas comunidades quilombolas, que precisam, além de fazer cumprir a Constituição Federal em relação ao direito de seu território, garantir sua sobrevivência em local que as legislações ambientais não respeitam suas práticas tradicionais e seu saber centenário da utilização do solo.

Maria Sueli Berlanga, ou Irmã Sueli, como é conhecida, trabalha no Vale do Ribeira desde 1986. Junto com a população local, ajudou na fundação da EAACONE, Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras do Vale do Ribeira, que tem a missão de assessorar as comunidades quilombolas na reparação de seus direitos e na luta por políticas públicas que melhorem a condição de vida das comunidades. Em entrevista, ela nos explica os problemas enfrentados na região, a relação com a Defensoria Pública e as expectativas dos povos do Vale do Ribeira para a distribuição dos novos cargos de defensor.

 

Qual a importância que prover mais 400 cargos de defensor público para todo o estado nos próximos anos?

Maria Sueli: O Vale do Ribeira é rico em diversidade ambiental e mineral. Mas a população é mantida em situação de pobreza. Situado entre duas capitais altamente desenvolvidas (São Paulo e Curitiba), a população vive excluída de seus direitos fundamentais, como estradas transitáveis, acesso ao atendimento à saúde, à educação, ao reconhecimento de território, falta de acesso à justiça e as políticas públicas. Há comunidades quilombolas onde as associações já foram fortalecidas e a situação melhorou relação ao acesso às políticas publicas.

Aquelas que estão no início do processo de organização, necessitam de maiores informações, pois vivem sob ameaça de perder seu território diante de projetos de desenvolvimento que não respeitam a cultura local e visam apropriar-se das riquezas minerais.

Quando ficamos sabendo que haveria mais 400 Defensores Públicos, ficamos cheios de esperança. Pensávamos que o Vale do Ribeira seria contemplado. Não só nós, da EAACONE, mas outras entidades daqui que trabalham com populações tradicionais, pois além de quilombolas, temo 14 aldeias indígenas, comunidades de caboclos, de caiçaras e diversas de posseiros, também ficaram.

Em Registro tem a seção da Defensoria Pública estadual e a atuação dos defensores é magnífica, no sentido de entender a dinâmica dessas comunidades, seus dramas, conflitos e o esforço que fazem para atender a demanda, é louvável.

Temos trabalhado em parceria e desse trabalho já temos algumas vitórias – garantindo o direito coletivo dessas comunidades. Estamos com outros casos coletivos de comunidades, que a Defensoria assumiu promover ação judicial.

Ato público das comunidades quilombolas do Vale do Ribeira, em 2011

Qual a sua avaliação especificamente sobre a primeira etapa da divisão dos cargos da Defensoria Pública, que empossou mais 110 defensores no estado em março de 2013?

Maria Sueli: No caso de Vale do Ribeira, as demandas dessas comunidades não são apenas casos individuais. São demandas coletivas. Sentimos a necessidade de que houvesse um defensor liberado para as demandas coletivas. Fomos às reuniões do Conselho da Defensoria e fizemos esta reivindicação. Mas sentimos muita resistência da parte do órgão.

Mas não vamos desistir. Desses 400, ainda não foi designado nenhum mais para a Região do Vale. Entendemos que é difícil, para quem está fora deste contexto entender nosso drama. O Vale do Ribeira concentra muitas riquezas. Há para o Vale vários projetos desenvolvimentistas: construção de 4 barragens, mineradores, plantação de pinus e eucalipto que ameaçam os territórios tradicionais e sua cultura. Projetos que não respeitam a vocação local. Que destruirão o meio ambiente. Que provocam indignação, porque a população é penalizada com multas ambientais quando desmatam um pedaço de terras para plantar, mas  libera-se projetos de destruirão 11 mil hectares de mata atlântica.

A economia dessas comunidades é muito precária. Não tem poder aquisitivo para contratar um advogado. Ai a Defensoria é primordial.

Não estou defendo só a questão do Vale do Ribeira. Sei que há outras regiões de muitos conflitos, de violência que também precisam dos Defensores. E nos solidarizamos com essas realidades. Sabemos ser importante a distribuição dos cargos em várias regiões do Estado, onde grassa a injustiça. Na Audiência Pública da Defensoria que participamos pudemos ter contato com estas realidades. Mas sentimos de outras entidades o clamor para as demandas coletivas e sentimos muita resistência por parte de alguns membros. Esta reivindicação vem desde as pré-conferências, muito antes de ter a Defensoria em Registro.

Por ocasião da instalação da Defensoria em Registro, esta demanda por ações coletivas já foi ignorada. Agora na distribuição dos novos 100 cargos também. Vamos continuar insistindo. Quem sabe, na distribuição dos outros 300 cargos?

O que sugeriria à Defensoria Pública para a divisão dos quase 300 cargos restantes?

Maria Sueli: Para a distribuição dos outros 300 cargos, sugiro que a cúpula da Defensoria visitasse a região, não só com a perspectiva institucional, mas com o coração de brasileiro, que vê no outro a pessoa humana, com sua história e tradições. Que saísse um pouco do individual para o coletivo. A demanda coletiva não afasta o defensor do povo, nem de seu drama pessoal. O que afasta o defensor do povo é o encastelamento no escritório.

Esperamos que a proposta levada para a cúpula da Defensoria, alicerçada em um abaixo assinado com apoio com mais de 40 entidades, seja refletida e amadurecida e que as resistências se enfraqueçam diante da realidade da população do Vale do Ribeira.

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