ENTREVISTA – GUSTAVO MOURA, DA REDE DE COMUNIDADES DO EXTREMO SUL DE SÃO PAULO

A região do extremo sul da cidade de São Paulo, a despeito da alta taxa demográfica, parece esquecida pelo poder público. Só no distrito do Grajaú, o mais populoso da cidade, vivem mais de 400 mil pessoas. No entanto, conta com escassos e precários serviços públicos e infraestrutura. Ali surgiu a “Rede de Comunidades do Extremo Sul de São Paulo”, um movimento popular que propõe a organização autônoma da população da periferia na luta direta pela efetivação de seus direitos. A Rede começou atuando contra despejos forçados e, em seus dois anos e meio de existência, diversificou suas frentes e hoje reivindica melhorias na saúde pública, a garantia dos direitos de presos e realiza atividades culturais.

Em entrevista, Gustavo Moura, o Guto, relata como o movimento conta com o apoio da Defensoria Pública desde as primeiras lutas e, hoje, desenvolve projetos em parceria com defensores para educação em direitos. O desafio para o futuro, avalia Guto, é ampliar a área de atuação e enraizar a Rede nos bairros da zona sul. Leia a entrevista a seguir:

O que é a Rede Extremo Sul? São quantos membros e onde atua geograficamente?

Gustavo Moura: A Rede é um movimento popular de luta e de experiências autônomas em comunidades da zona sul de São Paulo, sobretudo no distrito do Grajaú. Não temos uma bandeira específica. A ideia é, com base nas demandas, necessidades e anseios dos moradores aqui dos bairros, nos organizarmos para tratar de questões cotidianas, como transporte, moradia, educação, saúde, etc. O movimento é bem recente, existe há cerca de dois anos e meio, e tem, portanto, esse caráter de atuação territorial. Em termos de número de pessoas, é difícil precisar, porque tentamos criar uma estrutura que não seja de militantes profissionais, assim o corpo de militantes é muito variável. Mas em cada grupo das várias frentes de atuação, deve haver cerca de dez militantes fazendo trabalhos mais constantemente.

Quais são frentes de atuação da frente hoje?

Gustavo Moura: Uma questão candente e generalizada na região é a dos despejos em massa. São muitas vezes justificados com argumentos falaciosos, seja pela questão ambiental ou de risco, ao mesmo tempo em que o Estado cria o Rodoanel e não garante saneamento básico, coleta de lixo adequado aqui nas comunidades, e depois culpa os moradores pela poluição ambiental. Com base nisso, tem promovido amplos despejos, afetando muito a região onde a gente atua. Então, umas das frentes trata da moradia, sobretudo, na tentativa de impedir os despejos e batalhar por alternativas habitacionais.

Outra coisa a que no momento temos nos dedicado é organizar algumas lutas em relação à saúde pública aqui não região.  Fazemos desde denúncias sobre a dificuldade de atendimento, a falta de informação, de equipamentos, de médicos, das filas, da espera, etc., até a cobrança por melhores condições. A estrutura se mantém a mesma, inclusive é precarizada, mas nos últimos quinze anos, a região apresentou grande crescimento demográfico. A demanda aumenta e o atendimento piora.

Outra frente de atuação recente é a organização de uma rede de solidariedade de familiares de presos e presas. A ideia é discutir junto com os familiares, trocar experiências e possibilitar o entendimento dos os funcionamentos processuais e do caso do familiar que está preso. Além de aprender quais são os diretos, os benefícios e como acessá-los. É a frente a que temos nos dedicado bastante e dado uma certa prioridade nos últimos tempos.

Além de uma série de outras ações, como a cultural, com desenvolvimento de sarau, debates, atividades envolvendo teatro e outras formas de manifestação, tentando fazer de maneira permanente, de modo que os bairros se apropriem disso e façam por si próprios. Também produzimos vídeos, contanto a história dos bairros, seus processos de ocupação, criação e construção.

Qual a relação da Rede com a Defensoria Pública?

Gustavo Moura: Desde que a gente começou, quando a Rede estava muito ligado a questão dos despejos, recorremos à Defensoria. Tentamos barrar os despejos pela via jurídica e ganhar tempo. E encontramos pessoas bem comprometidas dentro da Defensoria. À época, o coordenador de habitação era o Carlos Loureiro. A nova equipe que também tem nos ajudado bastante, com a doutora Ana, a doutora Nair, o doutor Douglas. Nas outras frentes, sobretudo, na questão dos familiares de presos, a gente também tem recebido um apoio bem grande, seja na questão do acompanhamento dos processos, do encaminhamento jurídico necessário, direitos, atendimento médico, etc., seja também na parte formativa, no entendimento de como funciona o sistema penal e prisional. Alguns defensores inclusive, já realizaram processos formativos aqui na região sobre isso. Já tivemos o primeiro encontro e vamos ter mais três. Os defensores se dispõem a vir aqui fora de seu período de trabalho e participar das reuniões dos grupos de familiares. Tem sido sempre um trabalho presente.

Como foi esse evento em parceria com os defensores públicos?

Gustavo Moura: Alguns defensores vieram aqui e apresentaram não só o trabalho da Defensoria, mas como funcionam os processos, a fases, os benefícios que podem ser pedidos. Terá continuidade no mês de julho com alguns encontros, e se pretende que isso dê origem a um modelo de curso que possa ser replicado em outros lugares. O pessoal gostou bastante. É um processo importante para aproximar os defensores da população, quebrar o mito do advogado, que parece um ser de outro mundo, uma figura a que as pessoas não têm acesso. Então, além do conteúdo, é importante nesse sentido, de desmistificar e trazer pra perto, pras pessoas perceberem alguém disposto a dar atenção, explicar as coisas, etc.

Encontro de familiares de presos e presas, que contou com a presença de defensores públicos

Sobre a questão dos presos e presas, como você avalia a condição dos presidiários hoje, o acesso a justiça e como é que os familiares comentam a atuação da Defensoria?

Gustavo Moura: A situação prisional é a mais terrível possível. Estamos num momento de explosão da população encarcerada. Familiares vivem desesperados, tem muita dificuldade em acessar as informações, acabam recorrendo muitas vezes a advogados que cobram caro pelo serviço, mas não dão o encaminhamento necessário, não informam às famílias o que está acontecendo. Um dos esforços que a gente faz é fazer o encaminhamento e orientação das famílias, e hoje é muito recorrente encaminhar pra Defensoria. Num primeiro momento, justamente pela dificuldade de informação e a confusão, fica uma grande confusão na cabeça das pessoas. Nesse sentido, às vezes as pessoas não conseguem distinguir o que é juiz, o que é o defensor, o que é o promotor, é bastante confuso, e isso cansa muito. Vai num lugar, encontra porta fechada, recebe informação errada, é mal atendido… E um dos caminhos é pensar junto com a Defensoria de um modo a favorecer tanto o trabalho do defensor quanto a atendimento das famílias.

E também há um problema, que a Defensoria tem pouca estrutura comprada à demanda, são poucos defensores, que tem milhões de processos para darem conta. E não só na área criminal, isso é geral, também na área da moradia é assim. São poucas pessoas para um volume de trabalho absurdo, resultando numa dedicação excessiva que, mesmo assim, não consegue dar atenção a todos os casos que chegam. Além disso, sofrem com a falta de estagiários e outros elementos essenciais para a realização dos trabalhos, além de toda a burocracia, morosidade e funcionalidade de todo o sistema de justiça. No caso criminal, muitas vezes o defensor faz um encaminhamento e ele demora seis meses ou um ano para ser avaliado pelo juiz, porque o sistema cartorário é muito precário, não há a preocupação com a agilidade pra se garantir o direito dos presos, e outra série de aspectos estruturais que dificultam o acesso à justiça.

A respeito do número de defensores, hoje existem cerca de 2200 juízes, 1800 promotores e apenas 500 defensores. Há no executivo um projeto que pretende contratar mais defensores públicos. Qual a urgência dessa aprovação para a população carente de São Paulo?

Gustavo Moura: É fundamental. Na área em que atuamos, as pessoas são muito pobres, não têm condição de contratar um advogado ou recorrer a outra alternativa, e dependem da Defensoria. Sobretudo no contexto em que o encarceramento está estourando, a demanda fica ainda maior. A necessidade de expansão é pra ontem. Infelizmente, a Defensoria ainda é um órgão muito recente, deveria ter sido implementada há muito mais tempo, e foi implementada sem a estrutura necessária para dar conta de todo a demanda. Então é urgente esse aumento de defensores, a melhora na estrutura e nas condições de trabalho, porque, de fato, pra uma parte muito grande da população – a maioria das pessoas da periferia dos grandes centros urbanos – é a única alternativa que se tem. Essa ampliação é uma necessidade e tem que ser também uma bandeira nossa, dos movimentos populares. E é interesse da Rede Extremo Sul ajudar para que isso aconteça e para que as condições de trabalho melhorem.

Quais são os próximos eventos e ações da Rede nesse ano?

Gustavo Moura: A gente vai dar continuidade a nossas atuais frentes de atuação. No grupo de familiares, estamos criando outros núcleos, que terão reuniões periódicas. E temos tentado nos enraizar nos bairros e ampliar também nossa área de atuação. Vai ser esse o nosso desafio nos próximos tempos.

http://www.youtube.com/watch?v=BqduyyCjSOo

http://www.youtube.com/watch?v=3S7oj0Y2QgQ

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